Wednesday, March 21, 2012

um rio


um rio acontece em mim como a tua boca. somos o perigo de parar, o perigo de avançar, o perigo de olhar para trás.
o abismo debaixo da corda, o abismo sobre a corda. os nossos pés querem amanhã outro caminho perigoso.
tenho fome e sede e carência táctil total de rochas de vulcão. e tremer para começar ou recomeçar o outro dia com o sol no corpo.

uma língua de fogo, uma língua de fumo. acontece-me a tempestade. lanço os dados e o mundo refaz-me dentro do instante em que o barco se afunda no princípio. ignoro a vida após o combate. a vida nua das plantas.
a rosa cresce enquanto sobe a água. acontece-me um nó na corda, outro nó no abismo e o perigo da rosa escorrendo para a fonte da lágrima.
é verdade o incêndio na floresta e nos olhos procurando outros.
procurando o arquipélago vulcânico onde alguém ainda canta o segredo.
o corpo pede um naufrágio e um dilúvio e um banho de eterno retorno. peço tudo entre as labaredas das mulheres que fazem nós cegos e desfazem nós gritantes com os cabelos futuros.
cantar o segredo, acontece. o fogo sobe.
o segredo cerca a espuma nos lábios errantes.

fechámos duas ondas sobre o rio. lançámos os dados. a ponte de corda.
o barco interior onde alguém navega para o mistério. amo-te somente um dia e passo.

a lágrima floresce somente no incerto. a rosa não morre. o barco afunda-se por dentro, enquanto canto o meu cântico e danço a minha dança.
acontece-me um rio em mim. no rio, acontece-me lançar os dados e pôr as mãos no círculo de pele e na palavra de pele que ferem o sol com fábulas de navegantes perdidos. sangramos azul. tanto.
acontece-me perder quando cai a pétala na dúvida.

não sei onde dormir as mãos no fim do naufrágio. talvez uns seios que somos.
mais capaz de arquipélago no fluxo e no perigo. os infinitos vários acariciam com flechas.
uma lágrima reflui para a fonte.

Monday, March 19, 2012

bater à porta


nunca partir sem bater e sem aguardar o instante claro em que se abre ou fecha o tempo, para ficar ou partir. depois da claridade de sim ou não, ter a audácia do caminho e da luz nos olhos e da nudez marítima.

sei. é preciso bater à porta para compreender que está fechada. quero essa compreensão na minha vida.

hoje, longínqua, estuda a ideia da porta para saber como acontece o milagre de fechar e abrir, saber como trabalha a fechadura com a chave, por dentro e por fora.

fica o mistério da minha vida aquém e além de cada porta onde urge bater antes de partir...

Friday, March 16, 2012

desespero e canto


durmo vigiando, vigio dormindo. todas as minhas fantasias se aproximam do mar e cantam: o mar é nosso.
Deus salta da ponte depois de descobrir uma razão de morrer e canta: sentir tudo.
nunca vi o todo de nada, somente as órbitas do dia vivo. há mais palavras sobre palavras do que corpos sobre corpos. desespero e canto.
canto o meu cântico, danço a minha dança. o meu inimigo está sempre em pé e eu já atravessei densamente um dia inteiro de combate. viver um dia inteiro inteiramente é viver tudo. está tudo vivido quando se encadeia a madrugada. resta recomeçar. depois do primeiro dia inteiro, tudo recomeça. também a ignorância de mim recomeça comigo. abrem-se passagens no peito de recomeçar, sem terror.
recomeçar e aspirar à Paixão suprema: Tu não morres.
aqui vibra o ar e o oceano transforma-se em fogo nos olhos procurando outros. tão errantes como a loucura de perder os sentidos durante os mil anos em que demora a nudez da Paixão suprema: Tu não morres.
somos de fibra infinita, bebemos fogo e nada nos vence

Monday, March 12, 2012

travessia


pergunto se ou se não. respondes que.

mais uma lua sem resposta à flor da pele. o absurdo tem sabor a pedra quente nesta última idade nocturna. a idade da pele. talvez por fim a nudez desça do sol e acalme todo o pó agitado.
comemos muito pó para nada. a nudez necessita outro alimento que transcende o pó e o pão enquanto desfaz o texto tenso da manhã.
canto o meu cântico, danço a minha dança. o alfabeto hesita dentro de água. eu também dentro de fogo.

Thursday, March 8, 2012

Vertigo & Angst


e no fundo de mim as aves unem todo o sangue disperso numa única ferida que prolonga a vida para além dos infinitos sismos

está nua e inteira a densidade do cântico vibrando no lume da vertigem
enquanto o desejo esquece o caminho de regresso

e no fundo das minhas aves
ainda falta cantar

Wednesday, March 7, 2012

um verso por noite


o fogo gera o corpo
no vazio e no pleno
do outro corpo.

o fogo estremece no peito dos sinais nocturnos que dizem o corpo amado.
ainda as palavras morrem sem lugar e a língua perde os pássaros sem ti.

o fogo atravessa os dedos que tocam nos lábios.
aproximo a invenção do barco e do vento e da maré.

Tuesday, March 6, 2012

água dentro de água


um silêncio dilacerante que perfura círculos sensíveis de pele. bebo. água dentro de água. noite dentro de noite. tudo dentro, descendo mais. infinitos estratos de derme, para além de mim. sem lugar, como a ave ferida que procura o equilíbrio, o centro. procura e falha. derrama o corpo fora do caminho e perde o nexo entre andar e voar.
nada nunca ninguém.
um grito ao luar pode chamar a Primavera ou interromper a noite.
quem grita a ardente cinza de perder? quem grita até desfiar os textos dos pulmões?
quem explica o sangue com um ramo de rosas. ou quem tarda a entrar nas energias oceânicas. o vento esvazia-me dos meus animais. enche-me e esvazia-me. cada madrugada, procuro os meus animais ardentes com as suas vibrações no meu tronco.
um murmúrio também falta, envolvendo as contradições dos sonhos e dos amores.

eu necessito de rosas para atravessar o absurdo de olhos verdes. rosas que atacam o horizonte face-a-face. um fruto acende o lume na respiração. as rosas ligam o tempo com seus desejos vermelhos que não deixam terminar as frases.

Monday, March 5, 2012


o teu moinho mói tão lentamente que morreremos de fome antes de haver farinha.

do pouco grão e da muita pedra, a farinha que houver fará pão de terra.

talvez a saliva nos salve.

Sunday, March 4, 2012

os verbos meus


escrevi uma carta de A-Deus. os verbos derivaram para muito ruído.
escrevi um poema de violetas. os verbos desenharam música somente.

entre o sol negro e a árvore de mim própria, vem a catástrofe das folhas. caem como as ruínas das ruínas.
eu peço também a catástrofe das espumas.
o meu corpo é uma onda que acredita no nexo da lua com a tempestade, nexo em germe.
somos tempestades futuras a desdobrar a água de dentro de água. A-Deus oculto, desde que a imensa guerra das cidades tocou no horizonte e nos extremos. somente luz agora acontece onde falta apenas o gesto novo, em potência no meu silêncio.
ainda não acordei este ano. talvez seja este o ano nocturno em que não acordo.
nascerei perto daquele gesto de fazer uma concha com as mãos e beber um infinito paralelo ao curso de água que converte o abismo num Todo que principia. também as folhas pedem toda a floresta e todos os animais, na minha viagem que cobre a terra como uma manhã com seu anjo vermelho: Não tenhas medo

questões no excesso


de mim tão longe a esperança de arder e curar o centro fundo das feridas. todas sangraram de ausência e cicatrizaram de abandono. mas as insónias abrem os sentimentos contrários.

contra mim própria vivo. procuro um afastamento de tudo para que nada perturbe os ácidos quentes do desespero. quero beber esses ácidos até me morrerem os lábios e a boca. agradeço o desespero, enriquece-me as temperaturas nocturnas com as febres que me agitam as imagens das primeiras hipóteses. os sonhos inacabados trabalham as primeiras hipóteses. recordo-me de pensar numa casa com as paredes vibrantes a respirar. viva. eu sei que desejava outra respiração. mas no sonho eu contornei a casa e não havia passagem para dentro. não encontrei nenhuma porta. apenas janelas muito altas para o meu corpo. vinham vozes de dentro. fiquei presa fora. torturada pela ideia das paredes contra mim e das aves que não serei.

as noites alongam-se com as tuas cinzas e as tuas cinzas e tantos séculos de paixões infinitamente inacabadas. é a realidade, veia a veia, a música lenta dos músculos a romperem-se contra as pedras. um novo corpo deveria nascer, mais nu e inteiro do que um relâmpago. ficam as vagas vertigens dos dedos frios nos cabelos de nada.

a certeza que não vens. explica a queda dos corpos contra o centro da terra. explica o horror do vácuo. até a pele tem girassóis que vêm do pó e voltam ao pó. é a realidade do primeiro dia após a distância. uma ave centrada na loucura explica-me a língua sem frutos. um uivo cego apenas decrescendo até aos dedos que passam no vácuo onde havia outras águas para banhar-se o fogo. todos os meandros do fogo com seus sismos de silêncio que ensinam a florir.

agora o sol tem lâminas. quanto mais amada mais desisto. os meus cavalos vinham atravessar contigo o perfeito caos da nudez, até ao último estrato de pele, até à última nudez. em pleno vento, havia os cavalos que diziam não adormeças nunca. o amor é a insónia completa. chamamos-lhe Tempo.

(se tu não vens, fica a boca fechada. tudo fechado à força de não ser.)

Saturday, March 3, 2012

mar quando somos


odor fundo de margaridas carbonizadas. ainda. longamente após as ruínas.
primeiro, choras. depois, murmuras. por fim, dizes: o amor oculta-se nos músculos tensos do coração. perdemos o ritmo da respiração, abrimos as feridas e caímos.
todas as mãos no chão. todas as bocas na espuma. o mar traz as sementes que desconhecemos, as sementes que descremos, as sementes que desesperamos. traz-nos, depois do incêndio no jardim, depois de margaridas carbonizadas, depois das pedras amadurecerem dentro do curso de silêncio e lágrima.
se eu fosse tu. talvez não cantasse. mas do meu corpo já vi o fim de muitos cânticos. primeiro, choras, depois murmuras. por fim, dizes: o amor oculta-se nas sementes deste mar ainda nascente. de noite, a espuma fará nascer dentro do alfabeto o nome ainda nascente.
um cântico novo vem cantar o cantor novo. abruptamente as sílabas aquecem a pele de incertas angústias, como a ideia de uma ilha vulcânica onde o meu sangue escorre pela floresta. e penso que essa lava nunca arrefece, penetrando o alfabeto onde o cântico novo traz o mar até ao silêncio novo. as espumas podem começar outra flora para perfumar a pele e os cabelos destes ventos contrários. a tua língua continua sem resposta. sem resposta. sem resposta. hora estreita, aquém e além de uma passagem ao grito pela boca do cântico.
uma carícia começa a descer dos lábios à Origem.

Friday, March 2, 2012

noite


o leite da manhã. as serpentes da tarde. o túmulo da noite. bebo muitos monstros enquanto espero as pétalas. duas luas passam. discordam de mim. bebem o seu vinho e o barco doloroso da Hora. Tens duas lágrimas entre duas luas e dizes: o Tempo desfaz a madeira das portas dos sonhos.
o mar cumpre a promessa na raiz dos olhos ou na fonte. eu vim aqui para pesar o pó do corpo, que dança enquanto chora. coloco o silêncio na balança de um grito. muitos se amam mas carecem de sinais e de lábios. morrem ainda jovens, antes de azul, no equívoco de Nunca. regressam ao pó, no equívoco de Nada, nunca, ninguém. a noite e o amor fazem uma só carne com muitos incêndios incompletos. somos futuro, mas há sempre desespero de pedra. em muitos mundos, quem ama prefere morrer antes, infinitamente antes.
mas se a pedra floresce, as veias das rosas sangram argila e sopro. entre a Origem e Tu. a sílaba de uma última respiração cortada. de onde vejo a Hora a triturar as sementes de um abismo para outro.
o abandono do fogo vem de manhã. hoje. sente estremecer o útero quem pode e deseja morrer, por equívoco, na leitura do pó, do peito, da sombra que vai à frente no deserto.
queria compreender as cicatrizes que nunca adormecem. também os verbos com os cristais mais cortantes, queria beber das tuas neves perpétuas. tudo é mais do que espuma somente.