Saturday, June 7, 2014

Scriptorium-Scriptura

Outro Poeta ou Profeta sai de casa, procurando o leito do rio, sentindo a dúvida nos pássaros brancos, gaivotas que subiram do mar a contra-corrente, a contra-vento, até tão dentro da solidão que ninguém sabe nunca como seu grito atinge a fala dos enigmas, nem quantos nómadas pertencem aos infinitos planaltos do coração aflito... nem  até onde vão todos os sentidos...

Tudo o que digo existo: digo que acordei e que uma cidade nasceu no meu deserto. Acontece-me exatamente dizer-me o que cai sobre mim. Digo hoje que chove: e serei hoje chuva a cair sobre mim. Tudo o que vem à fala é capaz de deflagrar. Também o que vem ao grito de gaivota acontece-me.

Uns versos anteriores desse outro Poeta ou Profeta tinham já a métrica da dúvida e da errância pela dúvida, cada manhã, com claridade vária...
e era também nos versos que tremia o ritmo quebrado da respiração... também aí aconteciam os pássaros brancos tão longe da ideia de leito onde falamos de contrários dentro dos nexos, leito que acontece no fluxo de possíveis amantes... e uma alcateia de lobos, nocturnos, devora-me a indecisão de outro mundo onde uma melodia vaga poderia interromper a brutalidade do indefinido absoluto. Quero pássaros brancos, ignorantes, se um dia duvidar de tudo no corpo nulo... e à janela vê-se saindo para alimentar a voracidade do dia que não abre o meu silêncio de sílex sem sangrar.

Os pássaros. Tinham subido a contra-vento, aumentando a distância do Oceano materno onde adormecer nas falésias. Era dia de sair para a luz vaga e era dia de não saber, o Poeta ou Profeta não decide nada, sofre tudo, os pássaros diurnos não sabiam se havia ou não havia mais enigma do que manhã. Não estava escrito o romance que pensa até à exaustão. Não é necessário saltar da ponte, mergulhar no rio e interrogar a metáfora das águas com a Última Linguagem.

Onde flui em mim o desejo de recomeçar? Morre, não morre, o desejo sobe à Origem pela fricção com a rocha do leito e, por fim, o desejo escorre talvez por dentro da rocha, como se um segredo mais frágil desaguasse nas árvores da ilha dos náufragos.

os lábios existem nas margens, sinto melhor com um abismo ao fundo, quando os lábios seguem os lobos nos arbustos da montanha. Todos os lobos desfazem a trama e o texto. Acordam múltiplos e uivam afónicos uma atmosfera que inverte a Bio-Grafia. Não sei ler-me, toco somente na sombra inversa de tantas árvores onde talvez a espuma do rio condensa o silêncio confuso. Tudo derrama.
O Poeta ainda não sabe que hoje é sempre o dia de ser devorado pelos lobos brancos, sem nenhum presságio, nenhum sentido subjacente. Somente o múltiplo desejo que desfaz e refaz o corpo como outro mundo possível, um Todo Onde... saltar da ponte, mergulhar no rio, devir grito de Incógnita,
    

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