Saturday, July 19, 2008

a mortalidade do amor



À luz da morte do amante, não te beijo os olhos nem as mãos, não te beijo algo ou algures ou uma parte de ti, à flor da pele, porque a morte faz ferver algo sob a pele e pede-me uma verdade imediata que não passe pelas membranas intervalares dos sinais. Beijo-te o corpo todo, sobretudo o centro, numa agitação de chamas primitivas, carnívoras, concêntricas, até que a deflagração dos sinais supérfluos seja completa e não haja mais línguas nem linguagens sobre a terra, nada mais senão a dinâmica brutal das colisões corporais, as implicações de corpos nus, como pedras contra pedras.

A concentração da vida na morte do amante pede-me nudez e tangência: uma nudez clara, acabada, definitiva, persistente, trabalhada com obstinado rigor, feita e refeita, reiteradamente, no contacto com as matérias-primas da arte primitiva de incendiar-se.
Pede-me o corpo todo, verdadeiro e uno, como um bloco de granito ou um voo de ave, exposto às experiências de todas as estações.
Porém, simultaneamente, oferece-me a realidade a remar por um silêncio pouco denso, pouco pacífico, à superfície das águas. A realidade carece de braços e abunda de remos.

No comments: