Wednesday, December 21, 2011

Diálogo com espuma


alguém em busca de alguém em busca de alguém em busca de alguém em busca de alguém até ao Sem-Fim da busca com os olhos a delirar sete dias mais um, sete batalhas mais uma, sete desejos mais um, sete luas mais uma... imperfeitamente... in indefinitum...

do outro lado da terra ou da pele, vêm outros buscadores buscando alguém que busca alguém que busca alguém... imperfeitamente... in indefinitum...

os corpos dos buscadores dissolvem-se lentamente em espuma... primeiro as extremidades, depois os centros... mas a busca é indissolúvel... tem um núcleo de metal pesado, tem coágulos de sangue petrificando em incertas veias entre o coração e os pulmões... tudo se resolve em espuma, embora a busca persista irresolúvel como o enigma do Sem-Fim...
tornarem-se os buscadores de alguém que busca alguém que busca alguém que busca alguém... imperfeitamente... em espuma... estes corpos estão sempre no instante em que um mundo possível vem a ser e outros infinitos mundos possíveis permanecem vagamente espuma de outros futuros... são o fenómeno do mar...

alguém busca alguém que, em incerto instante de espuma, busca nada, busca nunca, busca ninguém...

a mesa posta na cama, a cama posta no teto, a casa posta no obscuro... fui à espuma e fiquei... confundi a massa do mar com alguém que busca alguém que busca alguém... dormi na areia a alegria de naufragar...
sete ondas mais uma, sete sereias mais uma, tendendo para aquele limite X: menos infinito... é isto morrer e renascer das águas com a melhor espuma de todos os buscadores que em busca de alguém adormeceram em nada, nunca, ninguém... só acordaram depois do dilúvio, quando todos os animais enlouqueceram transformados em espuma... primeiro as extremidades, depois os centros...

passei toda a juventude em bibliotecas. conheço as maiores e as mais babilónicas do mundo. lembro-me da insónia da busca. dos olhos ferventes, página após página, expectantes de Alguém, após uma página e outra e sete mais uma.
de nenhuma página explodiu o corpo nu de Alguém que buscasse absolutamente.
perdi o sentido dos sinais e perdi-me nas suas esferas fechadas.
hoje, prefiro o relento e muita espuma de nada, nunca, ninguém.
amanhã morrerei melhor do que hoje.

1 comment:

rasgos de ser said...

«João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.»
Carlos Drummond de Andrade